Uma caixa
de água no meio do mato poderia ser transformada num dos símbolos da luta do
povo de Janduís pela sobrevivência.
Poderia
sim, se essa luta fosse coisa do passado.
Mas não
é. Aliás, ela vem se repetindo com mais frequência desde que o Dnocs perfurou o
poço, construiu o prédio e instalou um catavento para tirar água das
profundezas da terra, em 1958.
De lá pra
cá foram 21 anos de seca. O que mudou foi a maneira como as pessoas convivem
com a falta de chuvas.
Em 1970,
eu tinha 13 anos e trabalhava numa loja de tecidos de José Araruna, em
Caraúbas.
Com a
seca se alastrando (uma das mais severas do século passado) e a venda de
tecidos despencando, ele transformou a loja num armazém para abastecer as
frentes de trabalho.
Os
“cassacos” compravam arroz, feijão, farinha, café e rapadura através de uma
caderneta. Tudo anotado, conferido e confirmado pelo comprador. Era rotina:
trabalhavam, recebiam dinheiro, pagavam a dívida e renovavam as compras.
Quando
“as pinduras” ficavam mais volumosas, o comerciante transformava o velho
“misto” num armazém ambulante e partia para o local de trabalho dos “cassacos”.
Sempre no dia do pagamento.
Em meio a
pás, enxadas, carros de mão e muita – muita mesmo – poeira, apresentava a conta
ao devedor.
Era
batata. A inadimplência caía a quase zero depois dessas incursões.
Fora das
frentes de trabalho havia muita gente passando fome.
Hoje já
não existem as frentes de trabalho, nem “cassacos”, nem os armazéns ambulantes.
Antes, a
velha caixa de água de Janduís amanhecia apinhada de gente com roladeiras,
galões e carroças-pipas.
Hoje isso
também não existe mais.
No final
dos anos 1990, com a chegada da adutora Arnóbio Abreu, a velha caixa foi
aposentada; o dessalinizador montado pela Funasa, desativado por obsolescência.
Neste
final de semana de homenagens a Santa Terezinha, padroeira do lugar, o Sol
reinava como nunca. 38 graus na hora do almoço.
À noite
corria uma brisa agradável. Muita gente nas calçadas, com um celular nas mãos,
navegando nas redes sociais.
Nas
conversas quase não há espaço para a meteorologia. Nem para os profetas do
tempo, que fazem suas previsões baseadas nos sinais emitidos pela natureza.
A dona de
casa reclama do preço cobrado pelo homem do carro-pipa: R$ 80.
PS.:
Diferente do passado, quando até feiras-livres eram saqueadas, não há ninguém
nas ruas pedindo dinheiro, nem roupa velha, nem “dois real” para a pinga. Mas a
seca ainda é um flagelo.
Texto escrito
numa rede social, por Vicente Gurgel Neto, em 2 de novembro de 2016.
Acessado através do grupo Museu a Céu Aberto do Escambo, administrado pelo mestre Raimundinho Gurgel,